9.11.08

Saudade é Renascimento

«Nós somos, na verdade, o único Povo que pode dizer que na sua língua existe uma palavra intraduzível nos outros idiomas, a qual encerra todo o sentido da sua alma colectiva.
A tristeza lusitana é a névoa duma religião, duma filosofia e dum Estado, portanto. A nossa tristeza é uma Mulher, e essa Mulher é de origem divina e chama-se Saudade; mas a Saudade, no seu mais alto e divino sentido (...). A Saudade é o amor carnal espiritualizado pela Dor, ou o amor espiritual materializado pelo Desejo: é o casamento do Beijo com a Lágrima: é Vénus e Maria numa só Mulher: é a síntese do Céu e da Terra: o ponto onde todas as forças cósmicas se cruzam: é o centro do Universo: a alma da Natureza dentro da alma humana e a alma do homem dentro da alma da Natureza: a Saudade é a personalidade eterna da nossa Raça: a fisionomia característica, o corpo original com que ela há-de aparecer entre os outros Povos; e por ele, no Juízo Final, Deus a distinguirá dentre os outros Povos... A Saudade é a eterna Renascença, não realizada pelo artifício das artes, mas vivida, é a Manhã de Nevoeiro: a Primavera perpétua: é um estado de alma latente que amanhã será Consciência e Civilização Lusitana. Eis a nossa tristeza: o seu espírito são e divino.
Há na alma portuguesa um sentimento que (...) nasceu do casamento do Paganismo greco-romano com o Cristianismo judaico (...). Saudade é o desejo da Cousa ou Criatura amada, tornado dolorido pela ausência. (...). Pela esperança e pelo desejo, a Saudade é Vénus, pela dor e pela lembrança é a Virgem Dolorosa. Vénus é a flor dos árias; a Virgem a flor dos semitas; e agora, a Saudade é a nova Flor, a Flor d'Os Lusíadas, filha daquelas duas flores que perfumaram o mundo...»
Teixeira de Pascoaes


A palavra Saudade funde-se com a alma portuguesa, como sentimento íntimo que traduz, como lembrança que traz de um Passado comUm, Original. Não é mais uma palavra meramente externa, estrangeira, estranha, parcialmente racional, é uma palavra interna, profunda, sentida, inteira, eterna. Que nos transporta de novo ao lugar que já, ou ainda, não há. Ao lugar que somos e ao tempo sem idade a que pertencemos. É a perfeita palavra-ponte entre o Eu e o Outro, entre o que fui e o que serei, entre o silêncio e a palavra.

É o Rio que regressa ao Mar.
É a Distância que se desfaz no Desejo.
É a Dor que nos dá à Luz,
redentora.
É o Renascimento que nos conduz
ao Futuro.

Pela fusão entre Desejo e Dor ocorre o Renascimento, a criação do Ser por Si mesmo, unindo o momento da concepção ao do nascimento, o Nada ao Tudo. Do Ser Infinito.
Lusitano.

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