22.12.08

Utopia

«Dito foi do grande filósofo Heráclito, alegado e celebrado por Sócrates (...) que nenhum homem podia entrar duas vezes em um rio: e por quê? Porque quando entrasse a segunda vez, já o rio, que sempre corre e passa, é outro. E daqui infiro eu, que o mesmo sucederia se não fosse rio, senão lago ou tanque aquele em que o homem entrasse; porque ainda que a água do lago e do tanque não corre, nem se muda, corre porém, e sempre se está mudando o homem, que nunca permanece no mesmo estado (...) Assim o disse Jó, e quem o não disser assim de todo o homem, e de si mesmo, não se conhece. Admira-se Philo Hebreu, de que perguntando Deus a Adão onde estava: Adam, ubi es? ele não respondesse. Mas logo escusa ao mesmo Adão, e a qualquer outro homem a quem Deus fizesse a mesma pergunta; porque, como pode responder onde está, quem não está? Se dissera, estou aqui (...) entre a primeira sílaba e a segunda já o estou não seria estou, nem o aqui seria o mesmo lugar; porque como tudo está passando, tudo se teria mudado. Por isso conclui o mesmo Philo, que se Adão houvesse de responder própria e verdadeiramente onde estava, haveria de dizer: nusquam, em nenhuma parte; porque em nenhuma parte está aquilo que nunca está, mas sempre passa (...).»
Padre António Vieira, Sermão da Primeira Dominga do Advento (1655)

As palavras são naturais da cidade da utopia... Tal como nós, que as criamos.

«Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?»
José Afonso

Por João Afonso (sobrinho):

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