9.2.09

Amor Alegre

«Deixemo-nos de nénias - enterremos
As antigas paixões!
É d'ar puro e de luz que nós vivemos...
E nossos corações
De luminoso amor, d'amor contente,
Disso querem viver eternamente!

Viver de flores, como insecto alado...
E, como ave, de cantos
Viver de beijos, de prazer sagrado..
Sim, de prazeres santos,
Como homem que embala noite e dia
O fecundo regaço da alegria!

Serena fonte, que nos banha a vida
Em dulcíssimas águas:
E, através da existência dolorida,
Nos lava as velhas mágoas...
A alma parece nova: e limpa e bela,
Brilha em face de Deus, como uma estrela!

Brilha em face do mundo! Resplandece
Como lúcida aurora!
É o sol da ventura, que alvorece!
Vale e monte colora
Co'as mil cores do íris da bonança...
E as mil do íris d'alma - a esperança!

Amor que espera e crê... amor ditoso...
Quer Deus que se ame assim!
Dormir no mundo o sono mavioso
De prazeres sem fim...
Passar como em triunfo, em mago enleio,
Mãos unidas e seio contra seio...

Põe teus olhos nos meus, para que veja
Luz melhor que a do céu...
O que dentro em teu peito rumoreja
Tudo, é tudo meu!
Meus são teus ais e minha essa harmonia
A que chamas amor, e eu poesia.

Poesia não são lágrimas... são beijos...
E abraços também...
Paixões não são suspiros... são desejos...
Quantos a vida tem!
Compõe com tuas mãos minha poesia
De paixão e de beijos e alegria.

Vem comigo na vida! Hei-de levar-te
Por caminhos de flores...
Cantará para ti, por toda a parte,
Um viveiro d'amores...
Eu sei o que é amor! estes conselhos
Amor tos dá - deixa falar os velhos!

Deixa, deixa-os dizer, os velhos sábios,
Que só sabem chorar!
Mulher bela, se Deus te pôs nos lábios
Botão de flor sem par,
Flor de luz e ventura... é por que o riso
A abra e transforme em flor do Paraíso!»
Antero de Quental, Primaveras Românticas

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