5.4.09

Igreja da República do Amor


«Se em grande parte se não tivessem as igrejas transformado em repartições públicas ou se mais vivo fosse nos povos o amor de Deus, certamente estariam abertas dia e noite e a toda a gente acolheriam, fosse ela ou não a de seu próprio credo. (...) E destas (...) partiriam pontes (...) as que se lançam mais profunda e duradouramente de homem para homem, sem penas de ouro, ou clarins ou taças.
Portugueses de todo o mar, espanhóis de toda a terra, ingleses de toda a ilha, (...) com africanos, com indianos, com amarelos, poderiam ainda salvar o mundo e apontar-lhe caminhos do futuro, que mais estão no desenvolvimento interior do que no aparelhamento prático (...). A Igreja* Ecuménica, nós a poderíamos pregar melhor que ninguém, pois soubemos conviver, nos tempos que verdadeiramente foram nossos, com judeus e mouriscos, propusemos que budismo e cristianismo se fundissem, sonhámos templos shinto de ritual cristão; fomos do Espírito Santo muito mais do que de um Deus regendo ou de um Deus morrendo. A República* Universal, nós a poderíamos propugnar melhor que ninguém porque soubemos unir, também nos tempos nossos, de concelho a concelho, as diversidades do mundo. O Tudo para Todos, nós o poderíamos organizar melhor que ninguém, que essa foi nossa vida, quando a tínhamos, em plaino ou serra.
Sempre quando o tempo era nosso; quando era nossa a vida; quando o Rei não morrera. Mas o Rei está apenas oculto, na ilha de encantos que é cada um de nós, e espera que a ele nos submetamos para que surja e salve; basta que acorde na alma de um de nós, para que também desperte nas almas que se perdem de tristeza e de dó pelas aldeias da Península, pelas savanas de África, pelos palmares da Índia, pelas favelas de Paris ou pelas avenidas da Alemanha. Basta que num se erga; o Povo é ele e dele. Forças nenhumas se lhe poderão opor se ele próprio não provocar a batalha e se toda a sua coragem se concentrar, não em agredir, mas em se afirmar e em ser pacientemente, mas sem concessões, persistentemente, mas sem dureza, todo na tarefa, mas sem interesse seu, o guia que se espera, heróico e lúcido, ousado e calmo, aventureiro e lento. Todos em el-rei, el-rei em todos; e sem Rei nenhum, que o não precisamos para nada, pois o Rei o somos
Agostinho da Silva, Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira I

*«O termo Igreja pode designar reunião de pessoas, sem estar necessariamente associado a uma edificação ou a uma doutrina específica

A origem da República está na Roma Clássica
República - coisa pública
Pública - relativo ou pertencente ao povo
Assembleia - reunião de pessoas convocadas»

«(...) apontar-lhe caminhos do futuro, que mais estão no desenvolvimento interior do que no aparelhamento prático (...).»

Porém, sem que seja necessário dizer se é o interior ou o exterior o mais importante. Simplesmente por não existir interior sem exterior, e vice-versa. Simplesmente porque a todo o interior corresponde um exterior, ao qual urge ser (re)ligado, como se a si mesmo (exterior, como interior revelado).

«a Natureza não tem dentro
[tal como o Homem, ao sê-La - Alberto Caeiro]

Esse, será o núcleo do testemunho do sensacionismo e daquele que se apresenta como o Descobridor da Natureza, o Argonauta das sensações verdadeiras. Porque será o seu imediatismo, o que concederá ao homem, como poeta, a abolição da distância interposta entre ele e o real, como verdadeira terra-de-ninguém, ou terra queimada, possibilitando-lhe de novo construir com ele a perfeita união cognitiva e vivencial, que foi a de antes da queda na história.
E como saber experimental, em si trazendo toda a marca da tradição portuguesa, como saber de salvação (...).»
Dalila Pereira da Costa, A Nova Atlântida (1977)

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