16.5.09

Catedral

«Vamos-te construindo com mãos a tremer
e pomos, em torre, átomo sobre átomo
Mas quem pode concluir-te,
Catedral?

O que é Roma?
Desmorona-se.
O que é o Mundo?
Despedaça-se
antes de as tuas torres terem cúpulas,
antes que de milhas de mosaico
surja a tua fronte resplendente.
Mas muitas vezes em sonho
posso abarcar
o teu espaço,
fundo, desde o início
até à aresta dourada do telhado.
E vejo então: os meus sentidos
formam e constroem
os últimos ornatos.


Em nenhum outro lugar, ó Amada, haverá mundo senão em nosso íntimo. A nossa vida esvai-se na transformação. E o que é exterior, cada vez mais diminuto, desaparece. Para onde havia outrora uma permanente casa, propõe-se agora uma construção concebida, a toda a extensão, da ordem do pensável, como se estivesse toda ainda no cérebro. (...) Templos, já não os conhece. A estes, desbarato do coração, nós mais secretamente os resguardamos. Sim, onde quer que subsista uma coisa, uma coisa outrora feita de oração, de serviço, de genuflexão -, aflora já, tal como está, o invisível.
Muitos dela não se apercebem já, nem têm a vantagem de o construírem agora no seu íntimo, com pilares e estátuas, maior!

Cada insensível rotação do mundo tem destes deserdados a quem não pertence nem o que foi, nem o que há-de seguir-se. Pois o que há-de seguir-se é longínquo para os homens. A nós isto não nos deve perturbar; antes nos dê a força de guardar a forma ainda reconhecível. Isto que outrora estava entre os homens, no seio do destino, desse destruidor, estava no não-saber-para-onde-ir, como ser sendo, e vergava para si as estrelas de céus firmes. Ó Anjo, a ti o mostro ainda, ali! no teu olhar, fique por fim a salvo, finalmente erguido, agora. Colunas, pilones, a Esfinge, esse erguer-se em anelo, na soturna cor de cidades em estertor ou de estranhas cidades, da catedral.


Estas coisas que vivem do declínio compreendem que tu as louves; efémeras, confiam-se-nos como coisas salvando-se, a nós os mais efémeros. Querem que as transformemos por completo no coração invisível, em - oh, infinitamente - em nós! Sejamos nós quem formos, afinal.

Terra, não é isto o que tu queres: surgir invisível em nós? Não é o teu sonho seres um dia invisível? Terra! invisível!
Se a transformação não é a tua missão imperiosa, então qual será?
Terra, ó minha querida, eu quero. Oh, acredita, não seriam mais necessárias as tuas Primaveras para me conquistar para ti -, só uma, ai! uma única e já demasiada para o sangue.
Inominadamente, por ti me decidi, já de longe.
Sempre tinhas razão e a tua sacra ideia é a discreta morte.»
Rainer Maria Rilke, O Livro das Horas, As Elegias de Duíno

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