31.10.08

Canção dos Males Passados e Bem Presente

Eis um tempo de mar. Tempo de azul.
De fogo lento cabras maravilha
tempo de me buscar de te buscar
tempo de navegar para essa ilha
que fica sempre um pouco mais ao Sul.
Eis um tempo de mar (tempo de amar).

Meu país que já foi. Meu país por fazer.
Eis um tempo de ser eterno em cada instante
um corpo para viver um corpo para morrer
meu porto que eras sempre mais adiante.

Eis um tempo de ser como quem arde
como quem se semeia e se despede
porque antes era cedo ou era tarde
mas este tempo é nosso e não se perde.
Eis um tempo de ser como quem arde
em fogo lento lenha verde.

Quem sabe a cor do acaso e suas leis?
Quem sabe ler o tempo e seus sinais?
Eis o tempo a tecer com seus aneis
um tempo para sempre e nunca mais.

Eis um tempo de ser fiel ao tempo.
As cabras estão no fogo e o sacrifício
é este arder assim dentro do tempo.
Meu altar minha festa meu silício.

Não perguntem por mim: eu estou aqui.
Meu país por fazer. Meu país que já foi.
E não sou de ninguém. E sou de ti.
Eis um tempo de amor num tempo que me dói.
Não perguntem por mim: eu estou aqui.

Não perguntem se volto: eu já voltei.
Estou num corpo de trigo. Estou no vinho.
E nas coisas passadas que passei
como quem fica um pouco no caminho.
Não perguntem se volto: eu já voltei.

Pelos caminhos de me achar e me perder
já meu corpo sofreu os danos e os castigos
tantos foram os laços de me atar e me prender
tantos os riscos tantos os perigos.
Pelos caminhos de me achar e me perder.

Não perguntem por mim.
Dá-me o teu corpo
como se fosse para sempre e nunca mais.
Tu que ficavas mais adiante e és o meu porto
assim me disse o tempo e seus sinais.
Manuel Alegre, Coisa Amar (1976)

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