20.3.09

I-deia, a Esposa Prometida

«V
Mas a Ideia quem é? quem foi que a viu,
Jamais, a essa encoberta peregrina?
Quem lhe beijou a sua mão divina?»
Com seu olhar de amor quem se vestiu?

Pálida imagem, que a água de algum rio,
Reflectindo, levou... incerta e fina
Luz, que mal bruxuleia pequenina...
Nuvem que trouxe o ar e o ar sumiu.

Estendi, estendei-lhe os vossos braços,
Magros da febre dum sonhar profundo,
Vós todos que a seguis nesses espaços!

E entanto, ó alma triste, alma chorosa!
Tu não tens outra amante em todo o mundo
Mais que essa fria virgem desdenhosa!

VI
Outra amante não há! não há na vida
Sombra a cobrir melhor nossa cabeça,
Nem bálsamo mais doce, que adormeça
Em nós a cantiga, a secular ferida!

Quer fuja esquiva, ou se ofereça erguida,
Como quem sabe amar e amar confessa,
Quer nas nuvens se esconda ou apareça,
Será sempre ela a esposa prometida!

Nossos desejos para ti, ó fria,
Se erguem, bem como os braços do proscrito
Para as bandas da pátria, noite e dia.

Podes fugir... nossa alma, delirante,
Seguir-te-á através do infinito,
Até voltar contigo, triunfante!

VII
Oh! o noivado bárbaro! o noivado
Sublime! aonde os céus, os céus ingentes,
Serão leito de amor, tendo pendentes
Os astros por dossel e cortinado!

As bodas do Desejo, embriagado
De ventura, afinal! visões ferventes
De quem nos braços vai de ideais ardentes
Por espaços sem termo arrebatado!

Lá, por onde se perde a fantasia
No sonho da beleza; lá, aonde
A noite tem mais luz que o nosso dia;

Lá, no seio da eterna claridade,
Aonde Deus à humana voz responde;
É que te havemos de abraçar, Verdade!

VIII
Lá! Mas aonde é ! aonde? - Espera,
Coração indomado! o céu, que anseia
A alma fiel, o céu, o céu da Ideia,
Em vão o buscas nessa imensa esfera!

O espaço é mudo: a imensidade austera
Debalde noite e dia se incendeia...
Em nenhum astro, em nenhum sol se alteia
A rosa ideal da eterna primavera!

O Paraíso e o templo da Verdade,
Ó mundos, astros, sóis, constelações!
Nenhum de vós o tem na imensidade...

A Ideia, o sumo Bem, o Verbo, a Essência
Só se revela aos homens e às nações
No céu incorruptível da Consciência!»
Antero de Quental, Sonetos

E não a Igreja, que nada é, afinal, senão sempre a mesma... Ideia.
I-deia-Luz.

Ideia é a Mãe-Natureza redimida, glorificada: Liberta...
Poeta à Solta.

Espelho da Luz, Revelação da Eternidade,
da Vida Verdadeira,
do Infinito Amor,
da Un-Idade do Homem
na Sua Alma: Deus.

...

Ahh a Humanidade tem usado como algemas as suas Asas.
Que tão grande tristeza!,
e maior ainda
Alegria.



«(...) os astros (...)
não querem mais lei que o infinito.»
Antero de Quental

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