7.4.09

Da Epopeia do Mar à de Amar

«Pois aquilo que cada navegante e seu capitão [Coração] realizam nesta ilha [vida] será o acto supremo de conhecer seu anjo e com ele se unir, para sua imortalidade. A alma só tomando consciência de si mesma, como Anima, poderá conhecer o seu anjo, ou duplo celeste.

É uma morte iniciática o que provoca a sua contemplação: poderoso choque que levará o amante a outro nível espiritual de vida (...). Dirá Dante: «transformar-se-á em nobre coisa ou morrerá» (Vita Nova). E Camões dirá desse choque, tal o dum relâmpago: «Amor, que o gesto humano na alma escreve, / Vivas faiscas me mostrou um dia (...).
Na linguagem hermética, esta mulher que tal poder tem, é a «Nossa Eva oculta». À sua aparição, o amante fica como morto, «foge, se a morte te aborrece» (Vita Nova). O que esta mulher realiza na vida do amante, é de facto tornar essa força antropocósmica, o amor, de latente a activa: como um seu acordar: dá o sentido de Vita Nova: morte, a que se segue vida verdadeira: como imortalidade iniciática.
Poder-se-á ainda notar o carácter hermético desta função da mulher, como união perfeita entre amante e amada, nos Fiéis do Amor: como realização do andrógino, Rebis, em todo seu valor e natureza transcendental então possuído.

Dante dirá: «assim sou Ella» (Vita Nova) e Camões, «Olhai-me a mim, que sou feitura vossa».

Em todos os relatos do sulismo, de fonte gnóstica o Anjo do Conhecimento é identificado ao Espírito Santo; Natureza perfeita, ou Inteligência agente, como o Dador. A angelologia sendo aqui inseparável do processo de individuação, ou libertação perfeita da alma, como face a face última do homem com seu eu verdadeiro, supra-pessoal (...) Havendo ainda nesta tradição, uma referência a partir do Espírito Santo e Anjo Gabriel, à «Virgem da Luz» do maniqueísmo, como figura de Sophia divina, que na gnose, é identificada ao Espírito Santo.
Vemos assim, que fundas implicações de sabedoria e de tradição religiosa portuguesa, estarão implicadas na figura divinizada da mulher, na poesia lírica de Camões, como «figura angélica» e na sua poesia épica, como «ninfa mor»: a figura feminina surgindo como doadora da sabedoria suprema, iniciadora dos mistérios invisíveis do céu.»
Dalila Pereira da Costa, Raízes Arcaicas da Epopeia Portuguesa e Camoniana

«E a nova nau lusíada apontada
A um país que há no verbo
achar [:amar].»
Manuel Alegre, Chegar Aqui (1984)

1 comentário:

Unknown disse...

Um grande abraço, Amiga!