28.12.08

Livros e Pessoas, Palavras vivas e mortas

«A lei tenho de Aquele a cujo império
Obedece o visíbil e ínvisíbil,
Aquele que criou todo o Hemisfério,
Tudo o que sente e todo o insensíbil;
Que padeceu desonra e vitupério,
Sofrendo morte injusta e insofríbil,
E que do Céu à Terra, enfim, desceu,
Por subir os mortais da Terra ao Céu.

Deste Deus-Homem, alto e infinito,
Os livros que tu pedes não trazia,
Que bem posso escusar trazer escrito
Em papel o que na alma andar devia

Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto I, 65-66

Tratam-se os livros* como pessoas e as pessoas como livros.
Mas os livros já não são pessoas e as pessoas jamais poderão ser apenas livros... Menos ainda livros que não sejam escritos ou lidos por si mesmas.

E então? Só as pessoas existem. E não existem.
Os livros somente... não existem. Não existem senão em nós.
Tomam vida apenas em nós.

*ou palavras escritas em papel, escutadas/lidas.

Não se podem entender as palavras desligadas de quem as ouve/lê, pois elas já não são de quem as criou, senão nossas, que as ouvimos/lemos, por, simplesmente, só nós existirmos, aqui e agora.
Só o meu entendimento existe para mim, o de mais ninguém. Pois só a partir dele o mundo existe para mim. Todo o entendimento de outrem será sempre... de outrem. Não que eu o negue como existente, apenas, para mim, não o é, visto ser eu o meu entendimento, eu, por mais incompreensível que me seja, de corpo e pensamento separados do mundo... que sou.
(Ou que só ele eu poderia ser, visto que sou nada.)

Para compreender a realidade do mundo só sendo-a. E ao Sê-la deixa de haver o que a espelhe, pois toda ela É. Toda ela passa a ser um livro vivo, todo o homem a ser quem é.

15 comentários:

Paulo Feitais disse...

Este teu post, não sei bem porquê, mas talvez isto esteja a propósito, fez-me lembrar uma coisa que digo desde a primeira hora que entrei numa escola como professor: transforma-se, na escola, a língua materna em língua madrasta. a língua é para ser vivida por todos, mesmo os que vivem nas suas margens.
Quanto aos livros... mil vezes as pessoas. Não que os livros não valham, ou sejam apoucáveis, mas mais que os livros, as pessoas.
:)

Unknown disse...

É... um longo caminho têm os Nossos pés a fazer. O caminho das pessoas-palavras e não dos livros-pessoas (que não há).

Para isso... é preciso acontecer um terramoto dentro de cada um.
Da minha parte, não poderei ser senão um epicentro (um primeiro...). Não por escolha minha, mas por... causa natural (como é habitual).

Paulo Feitais disse...

:)
Pode parecer um sacrilégio, mas prefiro uma má conversa a um livro. "Má", em certo sentido, por exemplo, quando vou à terra da minha mãe encontro sempre algum conhecido que quando me reconhece se põe a desfiar o seu quotidiano. E eu oiço e sou capaz de ficar horas ali. é claro que "recebo" muitas histórias e isso é fascinante.
Mas não há como conversar.
Só não o faço mais porque ganho a vida a falar (e também a conversar, uma boa aula é uma conversa, eu converto-me sempre aos meus alunos e costumo dizer, para escândalo de certas matronas, que pouco me importam os mortos quando tenho as aulas cheias de alunos vivos).
E não me interessa nada deixar "vestígios" da minha passagem por aqui. Enfim...
:)

Paulo Feitais disse...

Há tempos mandei uma boca no início duma aula de psicologia, disse aos alunos: "esqueci-me das peras". E depois esclareci: "eu queria dar uma aula e peras... assim têm que se contentar só com a aula." Na aula seguinte quando entrei na sala tinha a secretária cheia de peras...
;)

Unknown disse...

Tenho a impressão que professores como tu já não existem. Se é que alguma vez...

rmf disse...

existiram!

Aproveito esta oportunidade para vos desejar Feliz Ano Novo!!
Paulo e Ana!

PS - Bela mensagem Ana! Sóbria forma de discorrer o raciocínio. Terapia? Para mim é :), e ajuda, orienta!

Abreijos! :)

Unknown disse...

Vergílio,

digo existir, no sentido de ex-istir, ou de que mesmo existindo se mantiveram no que insta... ;)

Um Abraço!

Paulo Feitais disse...

Vergílio!
Um 2009 mesmo 2009 (e não monocromático e monocrítico, como o estão a querer pintar).

Como professor tento apenas ser vivo: dantes sentia um nervoso miúdinho antes de entrar na sala, os intervalos eram uma espécie de bastidor vivido com um aperto na barriga...
De há uns anos para cá isso desapareceu. Na sala de aula estou verdadeiramente em mim.
E estou lá com todas as minhas falhas. Como não acredito em mim, não me quero vender aos alunos (assim estaria a vendar-me e não seria capaz de os ver como eles são).
Mas enfim...
O que importa é que sejamos vivos.
:)

rmf disse...

Paulo, muito sinceramente, o meu "existiram", sem hífen, diz, em sequência de raciocínio, tudo aquilo a que se propõe afirmar.
Meu amigo, por vicissitudes várias, a arte de ser professor, não a pratico.
Recordo com saudade, os dias de frio da distante vila onde leccionei (Vinhais), carregando de flores e minerais, bichinhos e outros que tais que faziam a delícia da alegre rapaziada, mais jovem, mais apta para a descoberta.
Os grandes, lá suavam com a genética e síntese proteica, origem da vida e exercícios de inquérito.
Talvez abuse da palavra "existiram", pois que nela, egoisticamente me incluí.
Lembrei-me de mim, recordando-me muitas das vezes nas tuas palavras de professor, de psicologia. Interessante. Guardo com carinho um colega já "ido" que muito partilhou comigo a sua forma de ser, que em primeira e última instância reforçaram a pesquisa privada de uma visão. Saudades fortes. Demais, diante da realidade, fui eu lhe ofereci os mistérios da vida e da cristalização, da terra e do espaço, do Tempo e do infinito. Tudo então - dirás? Nada direi eu. Pois que esse mesmo nada me ofertou, fazendo com que a sistemática desse lugar ao pensamento. Ao silêncio. Era um psicólogo, professor. Como ele certamente nunca existirão, pois que no universo tudo é irrepetível, preto e branco, ausência e totalidade, ao longo de uma escala cromática limitada por extremos incompreensíveis. Chamemos-lhe, whatever...
Ver "cor" numa escala monocromática é tão-somente, poesia. Mas isto é um à parte mono crítico, o meu daltonismo.
Foi com essa saudade, que, e peço desculpa, meti o bedelho na conversa, feito um miúdo de escola em conversa de adultos. Não posso deixar de reparar, pelas tuas palavras Paulo, que circula em ti uma certa aura de desilusão com o processo educativo. Agora as dores de barriga são outras, bem distantes do que é ser, realmente, professor. Sei que me entendes.
Preferia não alongar este tema pois que estou fora do processo, embora não distanciado. Pratico a educação longe das ciências, vicissitudes várias, quis o infinito que fosse arte. Não sei se receberás o que digo com desconforto, mas foi essa uma das razões que me levou a mudar de vida. No dia em que percebi que ordenados pagos a horas e comparticipação da ADSE não passavam de ilusões, casa, carro e todos esses confortos, optei pela procura de um outro sentido para vida, porque é breve. Abracei então a Previdência e o recibo ecológico, por ser verde a sua cor. E acredita que vai dar ao mesmo. É um tanto ou quanto aquela forma de vida mais despojada. Mas as contas ao fim do mês lá se pagam, "dinheiro ao lado de ter horas de ócio" nem pó! Há tanta coisa a fazer neste mundo, jamais optaria pela falsa estabilidade ou endividamento. Opções, não negociáveis. Eehe, engraçado... acabo por achar piada a isto. No dia em que o nó da garganta desapareça antes de entrar em cena... amigo, que sou eu, põe-te a milhas! Já deverei ter amealhado experiência e recordação suficientes para seguir para outra vida. É algo asceta, não? Que se lixe! (desculpa a força da expressão) Que se lixe! Porque razão viver numa prisão em não se tocam ao menos nas suas paredes, pois que são invisíveis?
Aceita, pelo sangue que me corre nesta escrita, para que não haja dúvidas esta minha opinião; a tua forma de estar enquanto professor, nada tem de monocromática, só o meu blogue, que a mim não me pertence (discorrendo o pensar da Ana). Companheiro, amigo, colega, acabo por falar, um pouco mais de dentro, enquanto ser vivo. Sem poesia colorida, nem falsas modéstias.

Insta... ntaneamente escrevo hoje, como ontem a esta hora; hoje tenho a certeza que a mensagem entrará sobre a forma de escrita... e não como um falso sorriso, resultado de desabafo similar.
A quem de nós, pelo menos por uma vez não aconteceu escrever o sangue do dia, rapidamente apagado pela falha de comunicação ao global sem hipótese de retrocesso? Que oferecer? Um sorriso.
:) Verdadeiro este.
Insto-vos para que nele acreditem.

5 da matina... a 19 horas do suposto novo ano, que tédio!

Que o 2009 nos traga tudo aquilo que o 2008 se não se dignou a entregar.

Unknown disse...

Vergílio,
o que seria já esta ilha sem a 'tua flor-esta'?
Bom, e quanto a insectos o meu predilecto só pode ser a joaninha voa-voa... ;)

Boas Entradas!*

rmf disse...

Boas entradas Ana!
Mas olha que os bichinhos são da ilha! São os nossos vizinhos! Tal como as flores, os minerais e o que mais possa aparecer.
Esta é, porque assim mo permitiste, a minha ilha fantástica! Um pequeno mundo distante do real. Do meu real :) A nossa ilha da vera luz!!!

Sempre, sempre, grato pelo teu ser!
Obrigado por isso.

Na ilha não há máscaras... ehehe :)
A ilha é embrionária na sua pura forma de vida!

Abraço-te, sabendo que um abraço é escasso quando nele vemos o mundo! E mais não podemos oferecer.

Feliz Ano de 2009!
Até para o ano :)

Unknown disse...

Certíssimo! Esta flor-esta é a nossa. ;) (Ou um/o seu embrião...)

Unknown disse...

Eu também dei graças ao meu ser, só não sei foi a quem... talvez Àquele que... (nos deixa sem palavras)

Até já.

rmf disse...

Dois mil e nove :)

Unknown disse...

Dois mil, inove! ;)

Só pode mesmo ser...!