18.2.09

Sol-Pôr-tugal

«A musa da indignação arrasta Camões pelos cabelos, e, vendo o mundo inteiro perdido, apela para a sua pátria, pedindo-lhe o esforço heróico da redenção de Cristo:

Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que, à custa de vossas várias mortes,
A lei da vida Eterna dilatais:
Assim do Céu deitadas são as sortes,
Que vós, por muito poucos que sejais,
Muito façais na santa Cristandade,
Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade
!

À geração dos lusos «que tão pequena parte sois no mundo», é a ela que cumpre remir o Santo Sepulcro e terminar a epopeia das Cruzadas, enjeitada pelo «Galo indigno» [Francisco I] e esquecida pela Itália: a ela e por isso mesmo que se mostrou capaz do maior feito da época - a descoberta da Índia, que grande golpe de montante descarregado em cheio na força da Turquia.
Eis aí o pensamento político dos Lusíadas, expresso claramente nos mesmos termos da boca do velho do Restelo. O pensamento religioso é o catecismo de Trento. A ideia de governo é o imperialismo, em cujo berço nascera o sol da Renascença e em cujo regaço poluído ele se afundava agora. O império fazia-se tirania; o racionalismo piedoso transformava-se em lamismo papista. Assim as ideias se corrompem em contacto com a realidade.
O imperialismo camoneano é, porém, tão lídimo ainda como a sua religião. Se nas turbas não vê mais do que «o soberbo povo duro», isto é, um elemento ou um material para a construção artística do Estado; se a vontade dos reis, que são a chave da abóbada social, há-de ser absoluta, nem «pode ser por outrem derrogada»; se eles são supremos senhores dos seus súbditos; se os vassalos são membros de um corpo de que o rei é cabeça: a verdade, porém, é que tudo isso pressupõe no rei qualidades eminentes.
É que ao poeta diz a história pátria, porque em Portugal

o Reino, de altivo e costumado
A senhores em tudo soberanos,
A Rei não obedece nem consente
Que não for mais que todos excelente
.


Monarquia e religião, pois, tudo se depura no cadinho da poesia à chama intensa de Camões, em que a luz do heroísmo nacional vem reflectir-se, fundindo-se como numa lente, despede o raio e incendeia Portugal na ambição última da sua existência. Felizes são os povos que morrem como o sol, despedindo clarões!
(...)
Na era gloriosa que se abre a Portugal com a dinastia de Avis, idade da nossa grandeza, período áureo da nossa força e glória, não há pátria mais aberta, nem sociedade mais cosmopolita do que esta. Quando o infante D. Henrique institui a escola de Sagres, ninho de onde partem, no seu voo através dos mares, as armadas portuguesas, as praias desse promontório que outra vez merece o nome de sagrado, porque outra vez é sacrário da nossa alma céltica, abrem-se todas as nações, e de toda a parte acorrem aí os geógrafos e os mareantes. Outra camada de gente estranha se nacionalizava embarcando, e voltava das regiões ultramarinas convertida à fé portuguesa, e tão lusitana de alma como aqueles a que o tempo dava já foros de lusitanos pelo sangue.
É que o foro português, à semelhança do romano, não era o atestado de uma ascendência consanguínea, mas sim o baptismo em uma fé que não distinguia nacionalidades, nem origens naturais de raça, ou de religião. Português era todo aquele que ardia na chama crepitante do entusiasmo descobridor, propagandista. Há português mais português do que S. Francisco Xavier, esse Albuquerque da Cruz? Todavia nasceu na Navarra; do mesmo modo que Colombo foi espanhol, apesar de nascido em Génova. Também a Espanha, apesar da consistência geográfica e etnogénica da sua nacionalidade, apresentava nesse momento de entusiasmo o carácter cosmopolita; mas isso que nela era fortuito, foi em nós constitucional e orgânico.
Tão permanente, tão íntimo, tão constante aparece em Portugal, como em Roma, consideradas as diferenças dos tempos. Porque, para o romano, o seu foro era uma lei seca, feita só de direito, inspirada apenas pelo civismo; ao passo que para o português, homem moderno que atravessara as fornalhas esbraseadas da transcendência medieval, o seu foro, se era uma lei e um patriotismo cívico, era também uma fé, em que, sob uma inspiração profética, as almas não distinguiam, nos voos da sua ambição ideal, entre a Pátria e o Céu
Oliveira Martins, Camões

14 comentários:

Paulo Feitais disse...

Espero que o campo te tenha feito bem... Também para lá quero ir. Talvez pela Páscoa possa regressar à minha terra materna e mergulhar por lá nas Origens. E levantar-me às 6 da manhã para ir fotografar para a Foz do Arelho onde ainda vive a minha infância e, depois, subir até Óbidos, se houver, como é frequente, muitas nuvens e andar por lá perdido com a máquina em punho. E, depois, ir banhar-me no pôr-do-sol de Peniche, sempre deslumbrante.
Talvez...
beijo grande!

Unknown disse...

Ihh Foz do Arelho... belas recordações... aquela vista do Inatel sobre o Mar! :) Também fez parte da minha infância, ali mesmo ao lado de S. Martinho do Porto.

Paulo Feitais disse...

É uma praia total... dum lado o mar em toda a sua pujança (sempre gostei das ondas da Nazaré,apesar de rijas, mas na Foz o mar é fero...), do outro a lagoa, uterina, cheia de vida e com umas correntes fortíssimas onde me deixei tantas vezes ir a boiar. Como tudo era tão simples!
Mas a Infância é eterna!

beijo!

Unknown disse...

Ah a lagoa... foi nessa lagoa, numa bela tarde agostinha que aprendi para todo o sempre que o frio queima! Oh se... :PP

rmf disse...

Posso entrar no diálogo? ehehe :)

Nessa lagoa há berbigões... e o ritual era simples... o meu pai à pesca, e o filho que mais que lhe seguiu as pisadas ao berbigão.

Nessa lagoa, perdi um anel de ouro.
Coisas de criança, a água estava fria, os dedos já de si minorcas encolheram mais ainda, e entre escavadela aqui, escadela ali, um punhado de suculentos berbigões e em troca um pequeno anel de ouro para sempre encontrado-perdido na mãe-Natureza.

A minha mãe? Acompanhava-me ou lia, ou saboreava o sol esmagador que na lagoa interior se faz sentir, naqueles dias em que o ar não passa do exterior.

Essa lagoa é mágica. E magia.
Tão bem que agora vocês a descreveram. Deliciei-me com as vossas recordações e não resisti à tentação de mergulhar novamente nas águas desta lagoa.

Peço desculpa à Anita por ainda não ter prestado a atenção devida à poesia que deixou, no entanto, atrás das suas palavras nasce o diálogo, inocente e verdadeiro, que faz de nós eternas crianças quando para a Natureza olhamos com esse saudoso olhar de pura e mágica sensibilidade.

Ao Paulo, peço desculpa por, sobretudo aqui, expressar a minha verdadeira voz de criança, que reconhece desde tenra idade o que é a amizade em torno de quem a partilha.

Este espaço suscita em nós, por mérito de sua criadora ;) um encontro, um pouco mais próximo dos demais alternativos. Aqui, em verdade se fala quando daí esperamos ouvir essa voz.

Será esta a poesia Portuguesa?
O diálogo aberto e verdadeiro?
Vou acreditar que sim; habitando esta ilha mágica ou a vera luz desta lagoa, mágica também ela, recordação intemporal da foz do Arelho.

E como diz o amigo dos concursos... Já fui muito feliz nessa lagoa!
E nós dizemos... nós também! :)

Provavelmente nunca aí nos cruzámos... e em boa hora.
Cruzamo-nos aqui, à distância de uma recordação.

Desculpem a extensão da parafernália desta massada linguística, ultimanente tem sido assim... maratona de palavras que só pedem para sair de mim.

Um beijos para vós.

PS - E lembro-me sempre dos outros habitantes... no silêncio da distância desta ilha.

PS - Espero que tenham gostado das árvores que eu escolhi. São todas de longa-vida! Fiquei com pena de não escolher nenhuma oliveira, agora que penso nisso... ainda assim, estão plantadas! Que agora cresçam aos de nós seus padrinhos!

PS - isto hoje está... de se aproveitar... hoje é dia de palavras... :)

PS - e por isso, descanso...

Unknown disse...

:) é giro como associamos logo locais a pessoas. Agora cada vez que me lembrar da Foz, vou me lembrar não só da minha infância mas da vossa... (de vocês)

Vergílio,
se é para se ser eterna criança, seja-se à séria: faz o favor de não pedir desculpas, que é para eu não ter de te pedir «por favor». ;)

Ahh respira-se ainda melhor agora com este Ar puro e de Longa-Vida.

Beijos***

rmf disse...

A resposta... OK! :)

Ficaria aqui mais um bocadinho... mas "A Cantora Careca" está à minha espera. Trabalho, trabalho, trabalho...

Bem, vou sair!
Volto mais logo, para o meu abrigo nesta ilha... ali :) à sombra de um pinheiro milenar!

Beijos :)

Paulo Feitais disse...

É Anita e Vergílio!
(E as desculpas... a amizade é sermos capazes de nós).
E esta ilha sim!
Há umas semanas o Expresso publicou uma fotografia aérea da Foz do Arelho dos anos 80, em confronto com uma actual e foi mágico esse reencontro com a geografia da minha infância num lugar Mágico: havia uma ilha, ou uma quase península, que era acessível na maré baixa quase sem nadar, passava-se num estreito, com uma corrente fortíssima, perto da foz da lagoa, a "janela de oportunidade" durava alguns minutos apenas. E eu fiz a travessia e encontrei-me numa ilha deserta. Foi aí que me senti livre pela primeira vez. Fiquei por lá tanto tempo que, depois, quase que me era impossível atravessar a nado para a outra margem. Só o consegui aproveitando a força da corrente, que agora vinha em sentido contrário.
E acho que esta "Ilha" da Vera Luz pode ser mesmo um espaço de fraternidade, embora eu confesse que estou cada vez menos próprio para consumo. Cada vez menos.

:)

Unknown disse...

Paulo, e para o consumir-se em Deus?

«(...) as amamos nós, às suas folhas
e elas vão ser a plena liberdade do homem
e a imaginação imperando no mundo e o Paraíso reconquistado
e tão absoluto Amor que todas as filosofias
lhe serão apenas achas de fogo e nele, por Deus, nos consumiremos.»
Agostinho da Silva

Paulo Feitais disse...

Isso sempre.
Mas devo confessar-te que Paraíso, só o Agora mergulhado a partir do Aqui. Já não busco "o" Paraíso, nem persigo "objectivos", ou "metas". O que há.
O resto...
Noves fora... Nada!
A Alegria suprema.

:)

Unknown disse...

Não podes perseguir fora de seres perseguido, o que persegues é o que te persegue. O que isso é?

A Luz, da tua Alma.
Como é a Terra, ou a Ilha, da tua Alma?
O que já Foi...

Paulo Feitais disse...

o que já foi foi-se, foice... já foi ceifado o trigo. Não tarda nada, o Pão. A benção da comunhão.
A comunicação nutritiva. A que se faz naturalmente como quem (se) respira em comum.
A oração de sermos com e para...

e para ti, agora, um beijo que vou dormir...

:)

Unknown disse...

foi-se, porém, há mar e (a)mar...

bons sonhos, Beijo!
(a dormir)

rmf disse...

Bons sonhos...